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Fontes de valor não contabilizadas - in "Semanário Económico" nº 617, 6 de Novembro de 1998

A importância do conhecimento como factor da criação de valor na empresa e fonte de vantagens competitivas é hoje generalizadamente aceite. A ideia de que o valor gerado numa empresa nasce da mera utilização dos bens patrimoniais activos (imobilizado técnico ou de rendimento) é cada vez mais difícil de sustentar. Sem considerar o conhecimento individual e organizacional utilizado em toda a cadeia de valor desde a concepção do produto, transformação das matérias primas, à venda e assistência ao cliente, não podemos estar tranquilos quanto à eficácia das práticas de gestão.

A hipótese de um dia termos de identificar outras fontes de valor além das habituais e contabilizar os seus fluxos, é cada vez mais inquietante. Porque dizer é sempre mais fácil do que fazer! Quando explicamos os resultados líquidos anuais, estamos mesmo a evidenciar as suas origens? Se a contabilidade analítica estiver a funcionar correctamente, talvez se possa identificar o centro de custos que o gerou, o produto que contribuiu mais e talvez se possam esboçar e fundamentar decisões de gestão mais ajustadas.

Mas será mesmo possível decidir bem, a partir da informação contabilística, se nem sequer estamos a identificar todas as fontes de valor nem os respectivos contributos para o resultado da empresa? Convém lembrar que a contabilidade é entendida, por um número vasto de autores, como uma técnica cuja finalidade é descrever e registar os factos patrimoniais ocorridos e servir como meio eficiente de gestão.

Além do capital financeiro da empresa contabilizado nos bens patrimoniais activos e evidenciado no balanço, existe outro capital intelectual fora dos registos da contabilidade. Como é que este capital intelectual se identifica? Existem duas grandes fontes de capital intelectual, uma é tratada como capital humano e decorre dos recursos humanos utilizados pela empresa, do acesso à informação, dos activos de informação, da partilha que se faz do conhecimento e do seu desenvolvimento. A outra é designada por capital estrutural e nasce com a organização interna e com a interacção com o meio envolvente transaccional.

Vejamos mais pormenorizadamente cada uma destas fontes de valor. Em primeiro lugar, capital humano é constituído pelo número de empregados, pelas suas competências e pela forma como são posicionadas na organização. Quando falo de competências refiro-me genericamente a conhecimentos, experiência, traços pessoais de personalidade, objectivos e expectativas, atitudes e valores, características físicas, valores morais, etc. Não é indiferente poder dispor de um ou vários indivíduos competentes, tal como não é indiferente poder dispor de indivíduos cujas competências se ajustam perfeitamente às tarefas e responsabilidades que lhe são atribuídas no seu posto de trabalho. Também não é indiferente dispor de indivíduos com elevado potencial de aprendizagem e de partilha do seu conhecimento.

Em segundo lugar, o capital humano é constituído pelos activos de informação e pelo acesso que é feito a essa informação sempre que o tal indivíduo competente, colocado no posto de trabalho certo, toma qualquer decisão. Para simplificar o raciocínio, imagine que a colocação das pessoas ao longo de toda a cadeia de valor da sua empresa é feita com o rigor de um mestre de xadrez profundamente conhecedor da localização, das capacidades de cada um e das necessidades de informação para decidir correctamente. Não se esqueça que a decisão já não é um exclusivo dos órgãos de gestão! Qualquer telefonista ao encaminhar uma chamada telefónica pode acertar à primeira tentativa se conhecer bem os interesses de quem contacta e o papel de quem deve ser contactado na empresa, a sua decisão faz criar valor se for correcta ou faz perder valor se for incorrecta.

Não confunda acesso à informação com tecnologias de informação. Os encontros entre as pessoas continuam a ser um importante canal de transferência do saber dentro das organizações, a proliferação de documentos, bases de dados, intranets e softwares de grupo são facilitadores importantes, mas são apenas canais. A quantidade de informação transmitida cara-a-cara é extremamente mais rica porque todos os sentidos estão activos a receber e transmitir informação. Nenhum canal actual de transmissão de informação substitui a presença física, simplesmente porque não pode transmitir com qualidade todas as sensações tratadas por sentidos como o tacto e o olfacto, por exemplo.

Quanto ao capital estrutural interno, pode contar decisivamente para a criação de valor e para a competitividade da empresa. A optimização dos processos no interior da empresa pode condicionar a economia de recursos, a eficiência operacional e a eficácia dos produtos na satisfação das necessidades dos consumidores. Por outro lado, a prática de investigação e desenvolvimento na empresa, produzindo conhecimento e sendo fonte de inovação pode servir de factor diferenciador entre a concorrência, enriquecendo a capacidade competitiva.

Podemos evidenciar facilmente a falta deste tipo de capital. Se a organização interna da sua empresa conduziu à existência de duas pessoas a fazer a mesma tarefa, se os quadros da sua empresa executam tarefas de moço de recados, ou se algumas tarefas são executadas por um número de pessoas maior do que o necessário, então estamos perante fontes de custos adicionais que em vez de criar valor consomem o que os outros criam. Neste caso, estamos certamente perante uma baixa eficiência operacional. Podemos dizer que está na hora de rever os processos e o modelo de negócio! Se as actividades internas estão desalinhadas da missão e da estratégia global da empresa, se a estratégia está insensível ao meio envolvente transaccional, constituído pelos clientes, fornecedores, concorrentes e comunidade, provavelmente também está fora do contexto económico, sócio-cultural, tecnológico e legal. Resumindo, uma empresa assim não dispõe de capital estrutural.

A segunda forma de capital estrutural é externa, pode ser medida através do número de clientes, da sua qualidade e fidelidade, da quota de mercado, da reputação do mercado e da capacidade de interligação de que se fala tanto ultimamente (intranets, extranets e internet são formas de grande potencial no acesso aos consumidores). A existência de um único cliente pode constituir um risco para a empresa porque criará uma dependência total das suas encomendas. A existência de muitos clientes com encomendas pequenas pode significar custos mais elevados na distribuição e marketing. A quota de mercado pode significar grande capacidade de expansão da empresa e testemunhar as preferências dos consumidores pelos seus produtos, garantindo a continuidade no futuro. A reputação e as características do mercado são também fonte de valor para a empresa. É muito diferente vender para mercados exigentes europeus ou vender para mercados africanos.

Para concluir direi que uma boa gestão empresarial, não deixará de ter em conta o capital intelectual humano e estrutural, factos patrimoniais que apesar de não serem reflectidos na contabilidade são extraordinariamente relevantes para o resultado. Enquanto a medição do capital intelectual não for conseguida com objectividade, não será possível registar esta importante fonte de valor nos activos do balanço.

As ideias base deste texto foram adaptadas do Professor C.W.Choo que participou num seminário promovido pelo INETI em Junho de 1998 subordinado ao tema "da gestão da informação à gestão do conhecimento" e das aulas de alguns professores do MBA em Gestão de Informação da Universidade Católica. Foi também consultada, através da internet, uma empresa de seguros (Skandia www.skandia.com) que assenta a sua estratégia numa perspectiva de desenvolvimento de conhecimento.