A comunicação cria valor - in "Semanário Económico" nº 622, 11 de Dezembro de 1998
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- Categoria: Semanário Económico
- Atualizado em 17 novembro 2013
- Escrito por José Maria Pedro
Estamos na era da comunicação, todos sabemos que a dispersão e proliferação de telemóveis, de telefones fixos, de redes informáticas empresariais, de endereços de correio electrónico, de pagers, de televisores, de circuitos de televisão dedicados, da internet e seus derivados como intranets e extranets, são instrumentos valiosíssimos na criação de valor.
É preciso aproximar a empresa dos clientes e sobretudo é preciso aproximar a informação das pessoas no interior da empresa. Nenhuma fórmula organizativa sobrevive sem dar uma atenção especial aos meios de troca de informação. Quanto melhor for a ligação entre os decisores e a informação melhores serão as decisões produzidas. Todos os meios de comunicação são instrumentos valiosos nesta ligação porque podem contribuir decisivamente para a eficiência do funcionamento das organizações.
A criação de conhecimento individual depende muito da capacidade de absorção e agilidade mental dos indivíduos para relacionar as novas realidades com as experiências anteriores. Com a actual facilidade de obter informação, podemos dizer que estamos numa época de potencialidades incomparavelmente superiores àquelas que existiam antes da divulgação massiva dos meios de comunicação.
Uma vez que os indivíduos ficam mais qualificados individualmente, quando usam convenientemente os meios de comunicação, espera-se naturalmente igual efeito nas organizações onde estes indivíduos actuam. Isto é, uma empresa organizada por alguém com profundos conhecimentos de gestão e do negócio em causa deverá seguramente apresentar vestígios desse conhecimento. Por outro lado, a sua superioridade e capacidade para vencer os concorrentes por contar com competências distintivas, poderá constituir um factor decisivo na permanência no mercado ao longo do tempo. A forma como determinada empresa se organiza, adicionando valor às matérias primas que transforma e vende, não é indiferente aos meios e ao tipo de indivíduos que emprega.
Michael Porter caracterizou o processo de criação de valor nas empresas através do conceito de cadeia de valor tendo como pano de fundo as indústrias tradicionais cujo produto é visível e palpável, isto é, tem conteúdo e forma física. A cadeia de valor consiste na sucessão de operações que acrescentam valor ao produto; inicia-se na aquisição das matérias primas, continua na transformação destas em produto, no marketing, na venda e entrega do produto ao cliente, e finalmente no serviço e apoio ao consumidor. As actividades associadas à contabilidade e recursos humanos são consideradas como suporte e não como criadoras directas de valor para o produto final. O valor final do produto é assim constituído por todo o valor acrescentado em cada fase da cadeia incluindo ainda a margem normal obtida pela diferença entre todos os valores adicionados na cadeia e o preço de venda.
Mas, paralelamente ao processo descrito como cadeia de valor com uma natureza física, existe outra face do processo produtivo como um espelho de todas as operações. Trata-se da informação que acompanha toda a cadeia física de valor desde o início até ao fim, isto é, desde a aquisição das matérias primas até ao momento do serviço e apoio ao cliente. Não se trata da contabilidade, esse sistema capta normalmente apenas os factos que se podem exprimir quantitativamente em moeda corrente! O que eu estou a tentar dizer é que existe uma nova cadeia virtual constituída por informação. Jeffrey F. Rayport e John J. Sviokla descreveram este conceito na Harvard Business Review de Nov-Dez.1995, tentando mostrar novos rumos para a estratégia dos decisores na busca de vantagens competitivas.
Se qualquer fase do processo é reflectida em informação, é lógico insistir na importância da comunicação. Se todas as decisões relativas a esse produto tiverem toda a informação necessária, então o resultado será excelente.
É fácil entender que existe uma cadeia virtual de valor - informação - associada à elaboração de um produto comum, como uma mesa, por exemplo. É preciso tratar dados sobre as dimensões, tipo de materiais a usar, preferências dos clientes, desenho, cor, etc. Mas é mais difícil de entender quando esse produto é mera informação! Convém lembrar que estamos na era da informação e da comunicação, todos os dias surgem novos produtos cujo conteúdo é quase ou totalmente composto por informação organizada, seleccionada e sintetizada. Um programa informático é informação viva que pode actuar quando for necessário, sem depender da má disposição do indivíduo ou de incidentes emotivos.
Repare ainda que o conceito de cadeia de valor, tanto física como virtual permite observar algumas diferenças quando é aplicado à produção de informação, software e outros bens intensivos em informação. As matérias primas são necessárias apenas para a produção da primeira cópia. Todas as cópias seguintes serão apenas cópias daquele original, produzidas praticamente sem custos.
Se a disponibilidade de cópias for ilimitada, devido à facilidade de copiar, o valor de cada uma tenderá para zero - os piratas de software conhecem bem esta lei básica do mercado. Os mecanismos de comunicação da cadeia virtual de valor terão de estar muito afinados para que o produto seja efectivamente vendido. O transporte do produto e a sua utilização podem ocorrer em qualquer parte do mundo quase de forma instantânea devido às capacidades actuais de comunicação. O produtor destes bens intensivos em informação, deve usar novas formas de venda e de recolha do pagamento correspondente.
A Microsoft é um exemplo extremamente interessante da inovação neste domínio. Os seus clientes SELECT recebem imediatamente todo o software Microsoft, logo que este fica disponível. Podem observar, instalar e usar quando entenderem, no pressuposto de que no momento da instalação pagam a cópia ao representante local. Esta forma de produção e distribuição tem associada uma grande capacidade de lidar com a cadeia virtual de valor. O controlo da informação relativa ao número de cópias é assegurado independentemente da presença de qualquer indivíduo da Microsoft ou do seu representante local.
Além de refinarem a cadeia virtual de valor, os produtores destes bens inventaram sistemas de racionamento condicionados pelo tempo e por uma constante inovação dos produtos aos olhos do consumidor. No software, basta criar uma dúzia de novas janelas, reorganizar as opções nos menus, criar uma nova embalagem e uma mensagem ainda mais atractiva para atribuir um novo número de versão. Se a modificação for grande, alteram-se os algarismos da esquerda na versão, se a modificação for pouco visível, alteram-se os algarismos da direita. O objectivo é fácil de entender: vender a base do mesmo produto retocado, como se fosse novo envolvido em informação renovada e diferente.
Para a informação, evita-se a tendência para o valor zero no preço através do tempo. Um cliente que pretenda a informação no momento exacto em que os factos ocorrem, paga principescamente por isso. Outro cliente que precisa da mesma informação, mas não pode dispor das quantias exorbitantes para o obter no momento da ocorrência dos factos, poderá recebê-la algumas horas mais tarde por 5 ou 10% do preço, ou até menos.
O problema do controlo da utilização (consumo dos bens), em ambos os casos, consiste na enorme capacidade e rapidez dos meios de transporte da informação. A distribuição de uma cópia leva apenas alguns segundos a percorrer o globo de um lado ao outro.
Nestas circunstâncias se o produto em causa é informação, torna-se preferível tratar os aspectos paralelos, conexos com a cadeia física de produção, aqueles que podem influenciar a recolha do valor da venda. É como se fosse mais fácil ver a fotografia através dos negativos onde o que conta da imagem são os contornos das figuras constituídas pela informação. O lado virtual da cadeia de valor recebe assim maior destaque: as preocupações de recolher, organizar, seleccionar, sintetizar e distribuir informação existem em todo o processo produtivo e são um aspecto central característico da era da informação.
As vantagens competitivas vão para aqueles que estiverem melhor posicionados, isto é, aqueles cujas competências centrais coincidam com os factores críticos de sucesso da indústria, doravante dependentes e condicionados pela capacidade de obter e comunicar informação.
Cada momento do processo produtivo dos novos produtos (cadeia de valor) dá origem a uma cadeia virtual de valor porque os seus resultados dependem da capacidade para recolher, organizar, seleccionar, sintetizar e distribuir informação. Se assim for, isto é, se cada momento da produção levar à existência de uma cadeia virtual, então não há nada que enganar, o melhor a fazer é aperfeiçoar os instrumentos de comunicação facilitadores da troca de informação. Porque para que o produto final coincida com as necessidades particulares de cada cliente e para que o respectivo preço seja ajustado a esse mesmo cliente, precisamos de informação sobre a própria empresa, sobre o seu ambiente transaccional, isto é, sobre os concorrentes, os clientes, os produtos substitutos e os fornecedores, e ainda sobre o ambiente contextual que envolve todo o conjunto. Ter informação actualizada e capacidade para a processar e compreender é estar em vantagem perante a concorrência!