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A economia Portuguesa suporta taxas de juro até que nível, sem perder os anéis e os dedos?

Se assumirmos que as empresas cotadas no Euronext Lisboa são um grupo representativo da economia Portuguesa, podemos perguntar se a rentabilidade dos seus ativos pode suportar taxas de juro elevadas, sem por em risco "os anéis e os dedos".

Há algumas dúvidas que se colocam sempre que se fala das taxas de juro exigidas pelos financiadores do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF), ou seja pela troika, Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu.

O problema tem um lado financeiro e outro económico, ambos com mau aspeto vistos por quem pode ter as contas em dia. A solução do problema é bem vinda, venha de onde vier, já que os políticos da casa não fizeram o seu trabalho, temos de chamar os de fora. Teixeira dos Santos respondeu a Luis Rego do Diário Económico em 24 de Maio de 2011 que lhe perguntou "Qual a avaliação que faz do programa da ‘troika'?": "É um programa abrangente, que permite corrigir um desequilíbrio orçamental, permite melhorar o quadro e a qualidade das nossas finanças públicas, permite reforçar a competitividade da nossa economia e permite manter e reforçar um sistema financeiro sólido. O país, neste momento, tem três grandes desafios: o primeiro é implementar o programa, segundo implementar o programa e terceiro implementar o programa."

O lado económico é dramático. Todos sabemos que é preciso crescer! Há ideias, há recursos humanos, há competências profissionais, mas falta-nos dinheiro e também capacidade organizativa que coloque os recursos em ação.

O lado financeiro deste PAEF é outro grande problema. Podemos pedir dinheiro emprestado tranquilamente sem ter medo de perder os anéis e os dedos? Este processo de apoio financeiro deixa-nos mais ricos ou mais pobres? Podemos ficar muito mais pobres? O lucro que conseguimos retirar dos ativos é suficiente para cobrir os juros que vamos pagar pelo empréstimo?

Estamos a falar de valores extremamente elevados de endividamento para um pequeno país como Portugal, segundo o Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP) nos últimos anos teve um aumento exponencial até aos 175 mil milhões em 2011. O futuro ainda não o conhecemos, mas há políticos que apontam a austeridade como um erro.

Para tentar responder a algumas destas questões fiz uma recolha de dados das empresas cotadas na bolsa de valores de Lisboa (Euronext Lisbon), publicados pela CMVM1. A ideia é calcular a taxa de retorno dos ativos destas empresas que representam a nata da economia Portuguesa e são certamente um referencial válido para todo o país. Parti das demonstrações financeiras consolidadas para obter dados mais abrangentes, recolhi o valor do ativo total líquido do Balanço e os resultados antes de impostos da Demonstração de Resultados (EBIT). Deixei o imposto de fora desta análise porque está fora do âmbito de gestão das empresas e é determinado administrativamente pelo Estado. O rácio que obtemos da divisão do somatório de todos os resultados pelo somatório de todos os ativos é muito esclarecedor nos últimos vinte anos. Este cálculo é uma adaptação do rácio a que a terminologia Inglesa chama “Return-on-Assets” (RoA) e pode ser usado como indicador de rentabilidade. O gráfico dos últimos vinte anos é surpreendente, como se pode ver.

O gráfico mostra que a relação EBITA/Ativo tem vindo a aumentar nos últimos anos, as empresas cotadas no Euronext Lisbon estão a melhorar ao longo do tempo, mas o rácio foi sempre inferior a 2% nestes anos, isto é, os recursos aplicados nestas empresas produziram globalmente menos de 2% de resultados. Nestas circunstâncias, podemos assumir que 2% é um limite global para taxas de juro a partir do qual é preciso ter muito cuidado com a dimensão do capital.

Afinal há uma saída, estamos salvos! A maioria dos setores de atividade tem taxa de retorno (Return-on-Assets ou RoA) superior a 2%. Há apenas três setores abaixo deste valor. Esperamos que tenham um peso mínimo na economia, seria bom que fossem os menos importantes na economia.

Para poder pagar os juros sem perder os anéis nem os dedos, devemos investir em qualquer setor, exceto construção, atividades financeiras e atividades artísticas, de espetáculos, desportivas e recreativas. Se a taxa de juro for superior a 2% ainda podemos ficar com algum do valor criado na economia porque a rentabilidade da maioria dos setores de atividade é superior à taxa de juro do empréstimo. Mas podemos deixar de investir na construção ou nas atividades financeiras? Sim. Mas só se esses forem setores pouco importantes na economia porque de contrário não resolvemos o problema do atual desemprego massivo.

Também se pode perguntar: podemos investir massivamente só num dos setores mais rentáveis? Não me parece que isso resulte, porque um dia destes ficamos todos a pagar caro os produtos dos outros setores que temos de importar porque os recursos são escassos e tem de haver equilíbrio.

Precisamos então de saber qual é o peso ou importância de cada um dos setores em termos de ativos líquidos para decidir se podemos parar o investimento nos piores setores ou em qual devemos investir mais.

Se excluirmos os setores menos rentáveis, excluímos quase 75% da economia! Não sei se podemos deixar de investir nos setores menos rentáveis, ou seja em ¾ da economia. Com efeito, temos vários setores onde podemos reforçar o investimento, mas estamos muito limitados porque estes setores representam apenas 25% da economia.

Repare que a intermediação financeira é um colosso comparada com os restantes setores. É maior que o resto da economia, tem peso suficiente para esmagar qualquer setor de atividade. Tem ativos cedidos pelo resto da economia em depósitos não remunerados, isto é, nós oferecemos os ativos aos bancos a custo zero! Seria interessante saber quanto pesam os ativos não remunerados oferecidos a este setor.

Em conclusão, depois dos números e dos comentários anteriores podemos dizer que mesmo a taxas de juro de 2% é preciso ter muito cuidado com a dívida pública porque só 25% da nossa economia pode suportar estas taxas sem perder “os dedos e os anéis”! Para grandes empréstimos, a nossa situação ainda é muito arriscada a avaliar pelas notícias que vão surgindo. A situação ótima seria reduzir a taxa de juro dos empréstimos (troika e mercados), seja ela qual for, e evitar o alargamento do prazo de pagamento.

 

NOTA - As empresas cotadas incluídas em cada setor nos cálculos, desde 1991 até 2010, foram as seguintes:

  • Indústrias Transformadoras (Alim e Bebidas): SUMOLIS, CENTRALCER, SOJA, COFACO, UNICER, VIDAGO;
  • Indústrias Transformadoras (Têxteis): LAMEIRINHO, FONCAR, AMIEIROS, GAP;
  • Indústrias Transformadoras (Papel): LISGRÁFICA, PORTUCEL, SOPORCEL, CAIMA, LITHO, INAPA, GESC, ALTRI, EUROPAC;
  • Indústrias Transformadoras (Químicas): SACOR, CIN, MABOR, IBERFAR, COPAM, FISIPE, CIRES, SAPEC, GALP, CIPAN;
  • Indústrias Transformadoras (Diversas): SONAE IND, CAIMA SGPS, CAMORIM, CIMPOR, SEMAPA, VAG, VALEGRE, COLEP, ATLANTIS, FRAMADA, BA, CINCA, CRISAL, INDASA, CEREXPORT;
  • Indústrias Transformadoras (Maquinaria): ASILVA, CEL-CAT, EFACEC, TOYSALVADORC, OLIVA, SOLIDAL, LISNAVE, COPIDATA;
  • Eletricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio: EDP, REN, EDP_REN;
  • Construção: SOARESC, SOMAGUE SGPS, OLIVEIRA, GRAOPARA, MOTAC, CONDURIL, ERG, SOMEC, MOTAE, TD, SACYR, MARTIFER;
  • Comércio por grosso e a retalho; reparação de veículos automóveis e motociclos: PAPFERN, CONTINENTE, JM, INÔ, MODELO SUP, SAG_GEST;
  • Alojamento, restauração e similares: DOMPEDRO, SOLINCA; HOTELAGOS; LUSOTUR; ORBITUR, SOPETE, IBERSOL, CURIA, SOLVERDE;
  • Transportes e armazenagem: TERTIR, SOREY, SOPONATA, SPC;
  • Atividades de informação e de comunicação: PT; TELECEL, REDITUS, COMPTA, MARCONI, COFINA, PARAREDE, ZON, IMPRESA, PTMCOM, SONAE.COM, LUSOMEDIA, GLINT;
  • Atividades financeiras e de seguros: BANIF, BMELLO, BPA, BCP, BESCL, BPI, BPSM, BTA, CREDIT, CPP, IMOLEASING, LOCAPOR, ESPART, HELLER, BIC, CITIBANK, BCM, BFE, BESI, HANOVER, BCI, IFP, EUROLEASING, LEASINVEST, CENTRAL, CHEMICAL, UBP, BSCH, FINIBANCO, BCA, BPOP;
  • Atividades de seguros: CST, CSMC, CSI, ALIANÇA, BONANÇA, CSOT, SPS, AXA, SONAE IMOB;
  • Atividades Imobiliárias: IMPERIO;
  • Atividades Imobiliárias: MUNDICENTER, SONAE INV, MAGUE, BRISA, PROHOLDING, FENALU, INPARSA, SONAGI, SONAE CAP;
  • Atividades de consultoria, científicas, técnicas e similares: INVESTEC, NOVABASE;
  • Atividades de saúde humana e apoio social: POLIMAIA
  • Atividades artísticas, de espetáculos, desportivas e recreativas: ESTORIL, ITI, LUSOMUNDO, MEDIA CAP (TVI), FCP, SPORTING, MEDIACAP, BENFICA

1 Veja http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/contas_anuais.cfm

2 Avaliado pela soma dos ativos consolidados das empresas cotadas no Euronext Lisbon desde 1991 a 2010